Jurídico todos os dias
O jurídico deixou de ser custo e virou motor de decisões melhores. Na rotina, orienta marketing, compras, RH e tecnologia; em temas complexos, estrutura investimentos, disputas e governança. Pesquisas indicam perdas por contratos mal geridos e a ANPD já multa por falhas de dados. Apesar de avanços como abertura de empresas mais rápida, o cumprimento tributário é pesado. Resultado: jurídico antecipando riscos, encurtando ciclos e transformando o “não” em um “sim” seguro.
Há muito já se percebe que o papel do jurídico deixou de ser anotado como mera despesa e foi para o lado dos investimentos, afinal o seu papel tem sido fundamental para destravar decisões comuns, reduzir retrabalho e proteger resultado. Na rotina, isso aparece em escolhas simples — aprovar uma campanha de marketing, contratar um fornecedor, definir um NDA — e em movimentos complexos, como estruturar uma rodada de investimento, uma joint venture ou uma ação judicial complexa. Quando o jurídico entra cedo, a empresa anda mais rápido e erra menos.
Um bom exemplo está nos contratos, que são a tubulação da receita. Pesquisas internacionais mostram que o ciclo de negociação leva semanas e consome margem. O World Commerce & Contracting (WorldCC)¹ mediu, em 2023, tempos médios de 4,4 semanas para contratos de baixa complexidade, 11,6 para média e 24 para alta, um “atrito” que pode atrasar vendas e projetos. O mesmo ecossistema aponta uma erosão média de quase 9% do valor anual por práticas contratuais deficientes (pós-assinatura fraca, escopo confuso, falhas de faturamento). Padronização, playbooks e gestão ativa de obrigações reduzem esse desperdício e encurtam o caminho da assinatura ao caixa.
Ao mesmo tempo, o ambiente brasileiro mistura avanços relevantes com demandas operacionais pesadas. Abrir empresa está cada vez mais rápido: o Mapa de Empresas do governo federal registrou tempo médio de 21 horas no 1º e no 2º quadrimestres de 2025, com estados chegando a casa de 7–11 horas — sinal de que simplificação funciona quando bem executada. Em paralelo, a carga de conformidade tributária ainda é excepcional: a métrica clássica do Banco Mundial/PwC² indica 1.501 horas por ano para cumprir as principais obrigações, um número que ilustra por que processos e governança fazem diferença real no custo operacional.
Proteção de dados é outro ponto em que o “jurídico do dia a dia” já mudou a rotina. Desde 2023 a Autoridade Nacional (ANPD)³ aplica sanções — a primeira multa divulgada foi de R$ 14,4 mil a empresário individual — e, em 2024, seguiram-se fiscalizações e advertências por falhas como ausência de encarregado e documentação insuficiente. Isso se traduz em tarefas corriqueiras: revisar formulários de coleta, organizar bases legais, treinar times que lidam com leads e clientes, preparar respostas a incidentes. Pequenos ajustes que evitam dores de cabeça desproporcionais.
Esse pano de fundo ajuda a entender por que departamentos jurídicos estão se reposicionando. O EY Law GC Study 2025, que ouviu 1.000 conselheiros gerais em 21 países, mostra uma agenda voltada a dados, integração com o negócio e transformação operacional, ou seja, menos reação, mais previsibilidade e eficiência
Traduzindo tudo isso para a rotina: o jurídico que participa do briefing (e não só da “validação final”) ajuda marketing a fazer promessas defensáveis, compras a negociar cláusulas que evitem disputas sobre escopo, RH a estruturar políticas claras de bônus e não concorrência e tecnologia a mapear dados pessoais e riscos de IA.
No front contratual, predefinições contratuais, matrizes de risco e uma boa gestão de contratos reduzem idas e vindas e melhoram a execução pós-assinatura, justamente onde, segundo o WorldCC, boa parte do valor se perde se ninguém acompanha obrigações, prazos e reajustes.
Há, claro, o componente estrutural: o chamado “Custo Brasil” — estimado pelo governo em R$ 1,7 trilhão (19,5% do PIB)5 — não se explica só por temas jurídicos, mas o desenho regulatório e a forma de cumprir regras têm papel direto. O jurídico que entende processos (e não apenas normas) consegue simplificar fluxos, reduzir exigências redundantes e priorizar o que realmente muda o risco. É a diferença entre “cumprir por cumprir” e “cumprir com inteligência”.
Em resumo, o impacto do jurídico está menos em “dizer não” e mais em dar forma segura ao sim. Nas decisões comuns, isso significa padronizar o que se repete, usar dados para medir gargalos e orientar time a time.
Nas situações complexas, significa antecipar cenários, escolher foros e mecanismos que preservem valor, e negociar cláusulas que evitem litígios longos. Quando essa mentalidade permeia o cotidiano, o resultado aparece no que mais importa: velocidade com segurança, custo menor por decisão e menos surpresa no caminho.
Gustavo Tonet Fagundes
Sócio | FD.law
¹ Fonte: worldcc.com
² Fonte: PwC
³Fonte: ANPD
4 Fonte: EY Law
5 Fonte: Serviços e Informações do Brasil


